Raul Brandão: A Morte do Palhaço e o Mistério da Árvore


Não tive mão em mim, que não me pusesse de ouvido à terra, a escutá-la estremecer, desentranhando-se em vida e em amor. Que bafo é este procriador que atravessa a matéria, a fecunda e a transforma em seres e em vida? Que força é esta, única, cega, que cria, organiza, e além transforma? Quem me diz a mim que ainda não hei-de vir a ser rã, ou espinheiro de valado, e que, morta a razão, não terei enfim a felicidade dos bichos - a de se sentirem viver?...

A imobilidade não existe, a morte é uma transformação apenas... Ser homem hoje, amanhã ser sapo ou flor, que importa? (…) Borboletas, árvores, bichos, a cada primavera que vem, toda a terra estremece, de tal maneira que me quer parecer que ela é também viva e se sente feliz por viver e noivar.

Porque é que então tenho medo de morrer? É esta a transformação que me aterra?… E eis o que na primavera, diante da Vida, me ponho a pensar. Se eu pudesse com a consciência de mim próprio ir ser árvore de caminho, macieira de quintal, deitar galhos, encher-me de floração, ser feliz com o sol, com a primavera, com o azul, dizer comigo muito contente, e muito baixinho: Olha. lá vai aquele homem trabalhar, sofrer... (...)

A terra fermenta e (...) saem árvores, bichos, ilusões… Ponho-me a cismar: o que é a vida diante desta cova eterna - o infinito? (...) E o que represento eu diante do infinito, o que é a humanidade diante do que não acaba (...)?

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