Miguel Martins: Do Amor


Atravessarmos um relvado enorme para fazermos amor naquela casinha devoluta lá no fundo. Aí e no chão sujo de uma casa de banho minúscula, com gente na sala ao lado. E à porta dos vizinhos do rés-do-chão. E no jardim mais fotogénico da cidade. E em todas as divisões de muitas casas. E no mar. No mar. O mar. Os sexos, animais aquáticos e suas locas. As cores mudando com a luz e a temperatura. Fantásticos animais perscrutando o invisível. A suspensão do som. O som táctil dos batimentos cardíacos. De ambos. Um no outro. O sol, demasiado e exacto, atravessando as pálpebras, acrescentando-se ao caleidoscópio que o desejo, saciando-se, desenhava já. O cansaço, por fim. Exausto. Bom. O único. E um só sono para dois, como o sonho vivido. A ilusão – que digo?, a certeza! – da perenidade do bem-estar. Que Deus ousaria roubá-lo? Que Deus diluiria o Verão que, com tanta sageza, construímos?

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