Cartas: Herberto Helder a Maria Lúcia Dal Farra


Penso que uma pessoa escreve para passar desapercebida, para rodear-se de silêncio, para saber objectivamente que está diferente dos outros, para ocultar-se.

Mas tudo isso é complexo: penso que, se é forçoso estar oculto, aspira-se a que nos desocultem, a que nos tirem a razão, a que nos deixem desarmados, nus, humanos, frágeis. Porque só assim, descobertos, poderemos ser amados. A decifração é o único acto de amor. Por isso, apenas se é atingido por certo tipo de tentativa de decifração. Por isso a gente pode rir de quase todas as pretensões exegéticas. Olhamos para nós mesmos, e vemo-nos com a mesma roupa. Até que chega - quando chega - o temido e amado decifrador, aquele que realmente traz chaves, o que traz armas - o guerreiro. Isto é a história, noutro plano - de Jacob e o Anjo? É a história geral e contínua - mas particular e rara - da bela adormecida, de todas as demandas e esperas, de todas as expectações e atenções, de todas as casas à espera de serem habitadas. Assim na vida; assim na outra vida, cumulada, potencializada, sobrecarregada, mais intensa e significativa, do poema.

Comentários

  1. O decifrados nos poē às claras e por ele nos tornamos aves raras.

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  2. “Seu ato é, pois, um ato de artista, comparável ao movimento do dansador; o dansador é a imagem desta vida, que procede com arte; a arte da dansa dirige seus movimentos; a vida age semelhantemente com o vivente” (Platino, apud G. Rosa, “Noites do Sertão “).

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  3. Comentário que entrelaça inteligência e poesia, isto é, voz da verdade.
    Vilma Arêas

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