Nuno Júdice: Poesia Reunida


(...) por exemplo, abrir a janela e ver os cumes das árvores balouçados contra um céu cinzento de trovoada; aquilo a que, em primeira instância, eu daria o nome de "estímulo poético primário”, para passar depois a um nível superior na elaboração do vivido desse estimulo, a escrita do poema. Ele só existe, assim, porque o tornei inferior, porque o assumi na máxima subjectividade (e, aqui, o máximo de subjectividade confunde-se com o total objectivo, com o próprio ser real do objecto) - para o transformar.

Para quê? Música, era já esse instante - a compilação de diversos barulhos, o vento, as primeiras gotas de chuva nos mosaicos da parede, as folhas agitadas. A essa prévia composição, juntei assim uma outra, não espontânea nem sequer influenciada por algo espontâneo (uma sensação, um impulso, etc.) - a poética. Este trabalho no próprio interior do objecto real (repito), assumi-o naquela fracção de eu próprio que, subitamente, se desprende e, liberta da condição anterior, em algures paira e se instabiliza.

É por isso que eu digo - tal como a Música. Mas não a música habitualmente ouvida, e à qual se oferece a humana sensibilidade, pelo contrário, trata-se de um despojamento do humano, de algo que só é viável em abstracto e eterno, de modo a ganhar a mínima qualidade de divino suficiente para que assim supere e exista.

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