Rui Nunes: Que Sinos Dobram Por Aqueles Que Morrem Como Gado?


Quanto menos vejo, mais se expande a minúcia do mundo. As cores provocam-me, e o que tento olhar, através dos flocos translúcidos desta penumbra tão cheia de luz, é o segredo da cor e das fronteiras. O esforço que faço é também parte desta visão, deforma ainda mais o mundo. Há momentos, ao entardecer, em que fico muito quieto, sem pestanejar, e vejo os flocos depositarem-se, cedendo ao peso, quase impossível. A paisagem torna-se exacta, alucinante dessa claridade que só vai durar um instante, porque desaparecerá com um pequeno bater de pálpebras. E, no entanto, conseguir prolongá-lo, saber que o tempo se conta por segundos, sentir cada segundo passar, encher-me desse tempo iluminante, não morrer, ou ter sempre a morte adiada um segundo, decompo-lo para dele infinitivamente poder usufruir, não parar de o decompor em fracções cada vez mais pequenas, até à cintilação.

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