José Eduardo Agualusa: O Paraíso e Outros Infernos
- Diziam que tu atravessavas paredes! - comentei, quase no fim da festa, depois que a cerveja acabou. Rubi olhou-me muito sério. Os olhos eram ainda os mesmos, absortos e parados, como uma tarde de domingo, sob o sol.
- Diziam isso? De ti diziam que vias no escuro, como os gatos. Naquela época todos nós tínhamos superpoderes. - Ficou um instante em silêncio, agitando o copo vazio. - Ainda faço isso. Mas pouco.
- Isso o quê?
- Isso de que falavas. Atravessar paredes.
- Como? Qual o truque?
- Naquela época não pensava nelas, nas paredes. Ignorava-as. Não te deves lembrar, eu lia muito - prosseguiu Rubi. - Ler é que me ajudava a atravessar paredes. Mas então o meu pai morreu e eu tive de começar a trabalhar na padaria da família, muito novo, e nunca mais voltei a ler. Comecei a ver paredes em toda a parte. Tinha de andar à procura de portas, mas nem todas essas paredes tinham portas. Um dia acordei, e não me conseguia mexer.
- Como assim?
- Assim, simplesmente. Não me conseguia mexer. Levaram-me ao hospital, mas os médicos não encontraram nada de errado. É psicossomático, disseram. Nos primeiros tempos eu dormia, sonhava, e a sonhar andava, corria. Mas passado algum tempo começaram a crescer paredes também dentro dos meus sonhos nem neles eu me conseguia mexer.
- O que aconteceu depois?
- A minha irmã começou a ler para mim e pouco a pouco voltei ao normal.
Rubi administra hoje uma rede de padarias. Além disso cria periquitos. Vive dividido entre pães e periquitos. Disse-me que morava sozinho num casarão enorme, do outro lado da rua. Foi só quando se levantou que eu percebi que bebera demais. Amparei-o até casa e ajudei-o a abrir a porta. O meu antigo colega pousou em mim os olhos lentos. Espetou o dedo indicador da mão direita no meu umbigo.
- Com o tempo a gente descobre que há paredes que estão mesmo lá - disse. - Essas ninguém consegue atravessar. Mas há outras que só estão lá quando olhamos para elas, somos nós que as criamos. Essas eu continuo a atravessar.
- Diziam isso? De ti diziam que vias no escuro, como os gatos. Naquela época todos nós tínhamos superpoderes. - Ficou um instante em silêncio, agitando o copo vazio. - Ainda faço isso. Mas pouco.
- Isso o quê?
- Isso de que falavas. Atravessar paredes.
- Como? Qual o truque?
- Naquela época não pensava nelas, nas paredes. Ignorava-as. Não te deves lembrar, eu lia muito - prosseguiu Rubi. - Ler é que me ajudava a atravessar paredes. Mas então o meu pai morreu e eu tive de começar a trabalhar na padaria da família, muito novo, e nunca mais voltei a ler. Comecei a ver paredes em toda a parte. Tinha de andar à procura de portas, mas nem todas essas paredes tinham portas. Um dia acordei, e não me conseguia mexer.
- Como assim?
- Assim, simplesmente. Não me conseguia mexer. Levaram-me ao hospital, mas os médicos não encontraram nada de errado. É psicossomático, disseram. Nos primeiros tempos eu dormia, sonhava, e a sonhar andava, corria. Mas passado algum tempo começaram a crescer paredes também dentro dos meus sonhos nem neles eu me conseguia mexer.
- O que aconteceu depois?
- A minha irmã começou a ler para mim e pouco a pouco voltei ao normal.
Rubi administra hoje uma rede de padarias. Além disso cria periquitos. Vive dividido entre pães e periquitos. Disse-me que morava sozinho num casarão enorme, do outro lado da rua. Foi só quando se levantou que eu percebi que bebera demais. Amparei-o até casa e ajudei-o a abrir a porta. O meu antigo colega pousou em mim os olhos lentos. Espetou o dedo indicador da mão direita no meu umbigo.
- Com o tempo a gente descobre que há paredes que estão mesmo lá - disse. - Essas ninguém consegue atravessar. Mas há outras que só estão lá quando olhamos para elas, somos nós que as criamos. Essas eu continuo a atravessar.
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