Joaquim Pessoa: Ainda Ontem Tinha Vinte Anos
Ainda ontem tinha vinte anos
e era dono do tempo. A minha mãe ainda
me julgava o seu menino. E eu era já um
homem seguro de mim, carregado de certezas,
como acontece sempre que se tem vinte anos.
Naquela altura tudo era exacto, tudo podia ser
medido e comparado, nada tinha força para
se comparar com a sabedoria de um jovem.
O menino que era eu, foi ensinado pelo tempo,
esse velho alfarrabista que guarda o segredo
da eterna juventude. Tudo se foi modificando,
o nascimento de algumas coisas significou a morte
de outras, dentro de mim e fora de mim o futuro
foi-se construindo com o passado, e entre alegrias breves
aninharam-se inseguranças e fundas frustrações.
Trinta anos depois restam poucas certezas, aprendi
que não é o galo que canta para que nasça o dia mas
é o dia que acorda o galo para que cante. Aprendi
que a vida tem milhões de perguntas e que tinha
de procurar nos outros respostas para mim,
para achar em mim resposta para os outros. Soube
dar um braço a torcer para que não houvesse força
que pudesse torcer-me o outro braço. E vi que
a vida tem todas as portas abertas. Fechei
algumas, atravessei por outras, esperando
encontrar um mundo diferente. Mas
as diferenças que achei estavam em mim.
Quis alterar o mundo com um livro
e escrevi-o. Depois, alterei-o de acordo com
o mundo. A minha vida teve muitas vidas que
procurei entrelaçar como o cesteiro faz o cesto.
Aprendi que a primeira realidade sobre o que ouvi falar
é que nunca soube se estava a ouvir falar da realidade.
E que um momento doce de ilusão pode doer mais
do que a realidade mais amarga. E agora sei
que não é pior caminhar contra o vento se
o vento não estiver a meu favor. E que a grande árvore
da amizade não pode viver sem os seus ramos,
mas para que cresça mais e dê melhores frutos
é preciso ir podando alguns deles. Hoje existem
vozes diferentes na minha voz e eu utilizo-as para
fortalecer as minhas opiniões sem falar nunca em
nome dos outros. E não me sinto obrigado a dizer
a alguém, seja o que for. Importante é sentir vontade
de dizer alguma coisa a quem quer que seja.
E aprendi que falar não é o contrário de
estar calado, que a lâmpada não tem culpa
de ter falhado a energia, e que não é preciso
estar acordado vinte e quatro horas por dia para
não perder nada do que me é devido.
Sei agora que a sedução é um jogo
para o qual todos os dias treino e que todos os dias
jogo. E que por vezes a verdade é a mais verdadeira
das mentiras possíveis. "Que achas de mim?" é
uma pergunta que devo fazer mais vezes a mim
do que aos outros. E saber quantos milhões de estrelas
tem uma galáxia é menos importante que encontrar
as poucas palavras para terminar uma conversa.
Sei que muito do que é humano ajudou a construir
o homem, e que em relação ao tempo a única vitória
é também a única derrota: gastá-lo. Ah!, e sei
que é bom acordar duas vezes no mesmo dia. E
que a lógica das cores não é a lógica das imagens.
E que nem as cores nem as imagens sabem que
existe qualquer lógica. Aprendi também que se
precisar de um cretino o devo tratar por Dr. Cretino
e que, quando se perde uma pessoa que se ama,
custa tanto lembrá-la como esquecê-la. Sei que
a justiça me dispensa a coragem, que posso
tornar-me sábio pela sabedoria dos outros,
mas se não possuir os meus próprios méritos
de nada vale exibir os méritos do meu pai.
Também sei que, com excepção dos progressistas,
todos me falam de progresso e que quando o céu está
nublado a primeira impressão é a de que as estrelas
não existem. Aprendi que não adianta ser rápido antes
do tempo nem depois da oportunidade. E que o
vento que derruba as grandes árvores não consegue
mais do que inclinar os pequenos arbustos. Hoje
não considero generosidade oferecer o que me pedem
porque generoso é aquele que dá antes de lhe pedirem.
Acredito que existe uma só sede e muitas maneiras de
a extinguir e que se, por erro, cair num precipício
poucas possibilidades tenho de me arrepender.
Ensinou-me a vida que se me humilhar não posso
esperar dos outros mais que humilhação. E que
poderei retirar ouro de uma rocha mas não
posso exigir que ela me dê água.
Tenho percebido que o silêncio é de ouro
num mercado de palavras baratas. E que os olhos
ricos em lágrimas são pobres em sono. Que é mais
fácil reconhecer a qualidade que defini-la, e que
para ser elogiado basta que dê um pouco de mim
ou até menos do que um pouco. Sei ainda
que para o pássaro o céu e a árvore têm as mesmas raízes,
que o tempo que amadurece os frutos amadurece
também os homens e, por isso,
aquilo que perdi continua a ser meu
enquanto o procurar.
e era dono do tempo. A minha mãe ainda
me julgava o seu menino. E eu era já um
homem seguro de mim, carregado de certezas,
como acontece sempre que se tem vinte anos.
Naquela altura tudo era exacto, tudo podia ser
medido e comparado, nada tinha força para
se comparar com a sabedoria de um jovem.
O menino que era eu, foi ensinado pelo tempo,
esse velho alfarrabista que guarda o segredo
da eterna juventude. Tudo se foi modificando,
o nascimento de algumas coisas significou a morte
de outras, dentro de mim e fora de mim o futuro
foi-se construindo com o passado, e entre alegrias breves
aninharam-se inseguranças e fundas frustrações.
Trinta anos depois restam poucas certezas, aprendi
que não é o galo que canta para que nasça o dia mas
é o dia que acorda o galo para que cante. Aprendi
que a vida tem milhões de perguntas e que tinha
de procurar nos outros respostas para mim,
para achar em mim resposta para os outros. Soube
dar um braço a torcer para que não houvesse força
que pudesse torcer-me o outro braço. E vi que
a vida tem todas as portas abertas. Fechei
algumas, atravessei por outras, esperando
encontrar um mundo diferente. Mas
as diferenças que achei estavam em mim.
Quis alterar o mundo com um livro
e escrevi-o. Depois, alterei-o de acordo com
o mundo. A minha vida teve muitas vidas que
procurei entrelaçar como o cesteiro faz o cesto.
Aprendi que a primeira realidade sobre o que ouvi falar
é que nunca soube se estava a ouvir falar da realidade.
E que um momento doce de ilusão pode doer mais
do que a realidade mais amarga. E agora sei
que não é pior caminhar contra o vento se
o vento não estiver a meu favor. E que a grande árvore
da amizade não pode viver sem os seus ramos,
mas para que cresça mais e dê melhores frutos
é preciso ir podando alguns deles. Hoje existem
vozes diferentes na minha voz e eu utilizo-as para
fortalecer as minhas opiniões sem falar nunca em
nome dos outros. E não me sinto obrigado a dizer
a alguém, seja o que for. Importante é sentir vontade
de dizer alguma coisa a quem quer que seja.
E aprendi que falar não é o contrário de
estar calado, que a lâmpada não tem culpa
de ter falhado a energia, e que não é preciso
estar acordado vinte e quatro horas por dia para
não perder nada do que me é devido.
Sei agora que a sedução é um jogo
para o qual todos os dias treino e que todos os dias
jogo. E que por vezes a verdade é a mais verdadeira
das mentiras possíveis. "Que achas de mim?" é
uma pergunta que devo fazer mais vezes a mim
do que aos outros. E saber quantos milhões de estrelas
tem uma galáxia é menos importante que encontrar
as poucas palavras para terminar uma conversa.
Sei que muito do que é humano ajudou a construir
o homem, e que em relação ao tempo a única vitória
é também a única derrota: gastá-lo. Ah!, e sei
que é bom acordar duas vezes no mesmo dia. E
que a lógica das cores não é a lógica das imagens.
E que nem as cores nem as imagens sabem que
existe qualquer lógica. Aprendi também que se
precisar de um cretino o devo tratar por Dr. Cretino
e que, quando se perde uma pessoa que se ama,
custa tanto lembrá-la como esquecê-la. Sei que
a justiça me dispensa a coragem, que posso
tornar-me sábio pela sabedoria dos outros,
mas se não possuir os meus próprios méritos
de nada vale exibir os méritos do meu pai.
Também sei que, com excepção dos progressistas,
todos me falam de progresso e que quando o céu está
nublado a primeira impressão é a de que as estrelas
não existem. Aprendi que não adianta ser rápido antes
do tempo nem depois da oportunidade. E que o
vento que derruba as grandes árvores não consegue
mais do que inclinar os pequenos arbustos. Hoje
não considero generosidade oferecer o que me pedem
porque generoso é aquele que dá antes de lhe pedirem.
Acredito que existe uma só sede e muitas maneiras de
a extinguir e que se, por erro, cair num precipício
poucas possibilidades tenho de me arrepender.
Ensinou-me a vida que se me humilhar não posso
esperar dos outros mais que humilhação. E que
poderei retirar ouro de uma rocha mas não
posso exigir que ela me dê água.
Tenho percebido que o silêncio é de ouro
num mercado de palavras baratas. E que os olhos
ricos em lágrimas são pobres em sono. Que é mais
fácil reconhecer a qualidade que defini-la, e que
para ser elogiado basta que dê um pouco de mim
ou até menos do que um pouco. Sei ainda
que para o pássaro o céu e a árvore têm as mesmas raízes,
que o tempo que amadurece os frutos amadurece
também os homens e, por isso,
aquilo que perdi continua a ser meu
enquanto o procurar.
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