A. M. Pires Cabral: Natais Distantes


Pergunto-me o que ficou
desses Natais distantes
que eram vagarosos e tingiam
da cor e do sabor de frutos estivais
os frios dias de então.

De cada um desses Natais
que aboliam a noite,
instituíam a luz – o que ficou?

Pouca coisa: incertos
farrapos de memórias
que nada resgatam
e nada ressuscitam –
apenas doem.

Talvez uma abelha na janela,
perdida do seu tempo,
sofrendo a chuva,
violentando a vidraça –
e o meu irmão a rir-se disso.

Talvez a descoberta
de um frasco esquecido com doce de ginja
no armário do canto,
e a boca e os dedos sujos do doce
e um caroço engolido sem querer
e a vigilância das fezes.

Talvez o eco das vozes
dos que ceavam lá em baixo
desatentos do braço que parti na neve –
e eu sem encontrar posição para dormir.

Talvez uma gota de champanhe
no fundo da taça – a mais doce
porque era a do fundo e na garrafa
não havia mais
e foi a minha Mãe que ma trouxe à cama.

Talvez o borralho, as faúlhas,
depois apenas cinza. Talvez sal.

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