Manoel de Barros: A Volta


Ele sentou-se no barro.
Ela sentou-se ao pé dele.
Ele estava ferido no braço.
Olhos um pouco vazios.

Reparou bem na sua voz.
Disse que era feliz.
Ele falou qualquer coisa
Sobre os homens, e se calou.

Ficou escutando a noite,
O campo, as árvores velhas
Que se pediam na treva -
E a música do silêncio.

Abraçou-a. Os cabelos negros
Pareciam-lhe mais brilhantes.
Passou a mão áspera no rosto
Na doce linha dos lábios.

Falou pouco. Recordou
O frio, o passo dos muares
Pelas estradas de lama
E as cerejeiras em flor.

Mostrou a cicatriz no braço.
Ela deu um suspiro fundo
E apalpou as mãos apagadas
Daquele que havia regressado.

Depois convidou-o de manso,
Pegou no seu braço ferido,
Deu-lhe um pouco de beber
E água para lavar-se.

Ficou perto ouvindo o ruído
Da água na barba áspera,
Enquanto seu corpo aspirava
O amor daquele homem.

Olhou seus ombros. Há quanto tempo
Não os via…
Olhou as pernas, ainda eram firmes.
Que doce vida esquisita!

Não pensava mais ouvi-lo,
Nem amá-lo nunca mais.
Tanto tempo… Já pensava
Que o mundo o havia levado.

Mas agora estava ali
Se lavando. Os mesmos olhos.
Só um pouco mais fatigados.
A mesma fronte, contudo

Talvez um pouco mais terna,
Porque mais triste. E, agora,
Que tinha os olhos mais velhos,
Queria beijá-los tanto!

Perguntou sobre a filhinha
Os amigos e a política.
Fez um jeito de quem suspira
E sorriu para todas as coisas…

Decerto tinha muita coisa
De que sorrir (ela pensou)
Aquilo não era à toa
E ficou olhando para longe…

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